Graninha extra!

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Companhia

Não saberia dizer o que fazer para ser uma companhia verdadeira. Eu, de corpo presente, não estou aqui. Não nasci para completar ninguém. Cresci só fazendo aumentar minha incompletude. Tem gente que sabe, desde criancinha, o que vai ser quando crescer. Tem gente que tem sonhos inabaláveis. Tem gente que até se julga feliz...
Há mulheres que se julgam completas com marido e filhos. A verdade é que eu nunca quis saber de carregar marido nas costas nem filhos agarrados às pernas.
Tenho o ventre seco.
Carregado de desejo, mas oco.
Um ventre feito para contrações sexuais, e não para gerar e guardar vida. Pena o sexo ser ocioso e momentâneo. O amor nos ilude por um certo tempo... Mas este vazio eu não quero preencher. Sou plena em minha incompletude, aprendi a me aceitar assim e não espero compreensão, nem a minha própria.
Admiro os que se completam. Os que seguem o ciclo da vida sem muitas dúvidas. Os que crêem em Deus. Os que crêem na humanidade, enfim, admiro os que crêem. E me solidarizo com os que duvidam. Os que duvidam, como eu, também não me parecem boas companhias. Os que duvidam, como eu, também se calam, se reservam. Os que duvidam apostam alto, perdem tudo. Ou ganham e duvidam, jogam tudo fora. Os que duvidam têm olhares desconfiados, têm olheiras, têm insônias, têm angústias, são instáveis, são péssimas companhias, são terríveis influências. Os que duvidam são infelizes e padecem de uma melancolia quase que doce, necessária.
Eu gostaria de ser companhia para as pessoas que amo, de me sentir preenchida pelo amor que me dedicam. Mas o amor tem suas regras e eu tenho horror a ser aprisionada.
Então eu vôo para longe.
Vôo com essa sensação de cair.
Esse estranho abismo sob os pés no chão.
E sequer posso me dizer má companhia, porque não chego a ser companhia de verdade para ninguém. Os livros me fazem companhia, os filmes me fazem companhia, até peças de teatro me fazem companhia, mas pessoas de corpo presente, não. Pessoas de corpo presente são abruptas e imprevisíveis. Pessoas me assustam e fazem-me recolher em mim. Talvez seja por isso que eu goste tanto de arte. A arte é uma mediação entre as pessoas e eu. Entre o escritor e eu, há o livro. Entre o ator e eu, o personagem. Entre o cineasta e eu, há imagens projetadas na tela. Entre o músico e eu, há a letra e há a melodia. Entre o artista e eu, há a arte. E é ela que sempre me acompanha, de fato.
Entre eu e você, há este texto, há esta tela. Mas te asseguro que aqui eu sou inteira como nunca me verá em lugar algum. Aqui não tenho medo de beirar o ridículo com essa minha mania de escrever baboseira pra caralho só pra exorcizar meus demônios quando me pego melancólica.

 Aqui, e somente aqui, eu posso ser uma companhia (boa ou má, mas verdadeira) para você que me lê.
Escrever é dar um drible na solidão, mesmo que o passe saia errado.


Acho que é isso.
Não há mais o que eu possa fazer para ser uma companhia verdadeira.
Eu, de corpo ausente, estou aqui.

4 comentários:

  1. Você escreve com a alma aberta... como eu queria conseguir :-)

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  2. Palavras pesadas.. verdadeiras e profundas!
    Gosto da sua sinceridade e admiro a mulher de opinião formada que é!

    Gosto de ter você no meu circulo de amizades!!
    Beijos, beijos e parabéns!!

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  3. E acho que essa pontinha de lágrima aqui no meu olho já diz o tanto que adorei cada palavra desse texto...
    Sem palavras, esse realmente me tocou!

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  4. Alexandre, vc consegue. Escreva pra vc mesmo q sai! rs obrigada pelo comentário.

    Scott, não sou uma mulher d opinião formada, sou só uma mulher. Com opiniões mutáveis e bastante malucas! rs
    Tb adoro ter vc no meu circulo de amizades! Do contrário eu não seria sua cobaia, minha grande futura tatuadora preferida :)

    Ana, q bom q gostou. Fico mto feliz em saber q alguém se identifica, se emociona. Valeu!!!

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